Poemas de Florbela Espanca

Famous,Pink



Silêncio

No fadário que é meu, neste penar,
noite alta,noite escura,noite morta,
sou o vento que geme e quer entrar,
sou o vento que vai bater-te a porta...
vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim,ando a vaguear.
Em roda a tua casa, a procurar
beber-te a vez,apaixonada, absorta!
Estou junto a ti e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês.
Meu olhar se pousou e se perdeu!
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na sua casa...Escuta! uns leves passos...
Silêncio! meu amor!...abre!... sou eu!...
Lilac
Realidade

Em ti o meu olhar fez-se alvorada
a minha voz fez-se gorgeio de ninho.
E a minha rubra boca apaixonada
Teve a frescura pálida do linho...

Embriagou-me o teu beijo como um vinho.
Fulgo de Espanha,em taça cinzelada...
E a minha cabeleireira desatada
Pôs a teus pés a sombra dum caminho...

Minhas pálpebras são de cor verbena,
Eu tenho os olhos garços, sou morena,
E para te encontrar foi que eu nasci...

Tens sido fora o meu desejo
E agora, que te falo, que te vejo,
Não sei se te encontrei.. Se te perdi...

Lilac
Os Versos Que Te Fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer !
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder ...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer !

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz !

Amo-te tanto ! E nunca te beijei ...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Lilac

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida.

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Lilac

Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo ...

E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas, mansamente...
Pouco a pouco o perfume do outrora
Flutua em volta delas, docemente ...

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriaga

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto,

E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...

Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mals fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia...
Lilac
Amor Que Morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!
Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta,
Ceguinha de te ver, sem ver a conta,
Do tempo que passava, que fugia!

Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe já desponta!
Um engano que morreu...e logo aponta.
A luz doutra miragem fugidia...

Eu bem sei, meu amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer,
E são precisos sonhos para partir.

Eu bem sei, meu amor, que era preciso
fazer do amor que parte o claro riso
De outro amor impossível que há-de vir.

Lilac

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