Crepúsculo de Outono

Crepúsculo de Outono


O crepúsculo cai, manso como uma bênção.

Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito...

As grandes mãos da sombra evangélicas pensam

As feridas que a vida abriu em cada peito.


O outono amarelece e despoja os lariços.

Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar

O terror augural de encantos e feitiços.

As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.


Os pinheiros porém viçam, e serão breve

Todo o verde que a vista espairecendo vejas,

Mais negros sobre a alvura unânime da neve,

Altos e espirituais como flechas de igrejas.


Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio

Do rio, e isso parece a voz da solidão.

E essa voz enche o vale... o horizonte purpúreo...

Consoladora como um divino perdão.


O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha

Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,

Flocos, que a luz do poente extática semelha

A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.


A sombra casa os sons numa grave harmonia.

E tamanha esperança e uma tão grande paz

Avultam do clarão que cinge a serrania,

Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.


Manuel Bandeira  

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